Questão de honra, caráter e atitude

ventura

Eu prometi na minha última coluna e agora eu cumpro. Hoje vou falar sobre a sucessão da nação paranista.

Por uma série de motivos somos a porção menor em torcida na cidade quanto aos três times da aldeia. Isso acarreta uma série de consequencias, dentre as quais o aumento na possibilidade de termos como conjuge alguém que não torce para o mesmo time que o nosso. E como desencadeamento dessa junção, vem a prole e a questão que surge automaticamente: para que time seu(s) filho(s) torcerá(ão)?

Permita-me fazer um parênteses aqui neste parágrafo. Por trás de toda essa loucura – inclusive estampada na pele – pelo Paraná Clube, existe também um Henrique consciente, reflexivo e pacífico, que acredita que devemos respeitar todas as opiniões e, dentre outras coisas, criar nossos filhos para que sejam felizes com suas escolhas, mesmo que sejam diferentes das nossas ou das que para eles projetamos. Fecho aqui o aposto em forma metafórica de parênteses, mas ele será lembrado logo adiante.

A origem

Puxe em sua memória. Que acontecimentos, itens, cheiros, fatores, lembranças lhe remetem aos seus primeiros momentos lembrados de paranismo? Quais deles estão ligados ao seu pai, sua mãe, seus tios, seus irmãos, seus avós, seus primos? E quando você se lembra de algum deles, você de certo modo os agradece (nos bons momentos) ou os vilipendia (nos momentos de desgosto) por te “fazerem” torcer pelo Paraná Clube?

Pois bem, agora pense no seu filho ou sua filha, já nascido ou ainda só nos planos e, independente de você estar acompanhando de perto ou estar desiludido com o clube, reflita sobre o como seria legal que vocês torcessem juntos pelo mesmo clube. Pensou? Legal, né? Mas não é só disso que eu quero falar, até para não ser injusto com o desejo da pessoa que está ao seu lado e também é progenitor dessa criança sobre a qual comentamos.

O que quero dizer é: esqueça o lado “egoísta” de brigar para que o time do seu filho seja o mesmo que o seu só porque você quer (tivemos recentemente o exemplo de Bonucci, que joga na Juventus de Turim, mas cujo filho torce para o arquirrival Torino, conforme você pode ver AQUI). Passar o paranismo adiante é mais do que isso. Quando eu dizia e digo que minhas filhas são e serão paranistas (nunca dá para garantir 100% que o objetivo será cumprido, mas no mínimo um respeito será mantido), não é raro até hoje eu ouvir “mas vai existir Paraná Clube ainda quando elas acompanharem futebol?”. Um “sério? Mas tem tanto time mais vitorioso aí pra elas torcerem”. Ou ainda um sincero e babaca “coitadas, por que você quer fazer isso com elas?”.

Sabe o porquê, cidadão? Porque, dentre sessenta times com calendário fixo, quase mil em atividade ao longo do ano no Brasil, o Paraná Clube sofre. É um tanto vitimista dizer que é o que mais sofre. Mas sofre, sim. Sofre com seus próprios erros e, óbvio, também com suas próprias sinas peculiares. Mas de forma mais grave batalha historicamente contra uma incredulidade geral e, por mais que às vezes acabe dando razão a ela, volta e meia mostra seus sinais vitais a plenos pulmões. Pode não ser o que mais sofre no mundo. Mas aqui na nossa praça, é. E isso é fonte de mimetização para a vida. Explico mais para o final.

Sobre essa incredulidade, permita-me outra passagem rápida. Quando eu era criança, tudo para mim era Paraná Clube. Cor preferida? Azul (afinal, vermelho também tinha no escudo dos poodles, né?). Roupa de presente? Só se tiver azul e vermelho. Tema de aniversário? Tricolor. E – atenção – pintura facial em festa infantil? Paraná. E eis o que quero lembrar para começar a fechar o texto. Recordo que fui a uma festa e várias crianças pediam pinturas de vários temas, incluindo seus times. Até aí, tudo normal, natural. Uma saía com a cara vermelha e preta, outra com a cara verde e branca. E chegou minha vez. A equipe de recreação teve a pachorra (ainda vou achar essa foto, escanear e postar!) de desenhar duas bandeirinhas nas bochechas, mas com uma interrogação azul e vermelha ao lado delas e na testa. Bobeira, na hora passou um tanto quanto batido para mim, mas hoje eu sei o que isso representa. Não fizeram isso com nenhum atleticano, coxa-branca, corintiano. Mas fizeram logo com um paranista. Porra, e isso que naquela época ganhávamos “de todo mundo”.

Essa passagem representa um desdém pela nossa existência. E superar esse desdém, também implícito em outros pequenos gestos e bordões do dia a dia, pode ser a primeira grande lição que nossos pequenos levarão para a vida!

Tá. Mas como “incentivar” o paranismo nos meus filhos, se o time está em má fase?

Não é fácil, mesmo. Não à toa, temos um vazio preocupante na atual geração de pré-adolescentes. Mas se você só focar em dizer que ele tem que torcer pro Paraná porque “é o melhor time do mundo”, sinto muito, amigo, mas vai sair pela culatra e sabemos bem o motivo. Além disso, seu filho terá coleguinhas que torcem para outros times, inclusive que podem estar em momento bem melhor que o Tricolor, e se você não pavimentar o caminho direitinho, a situação que você criou se reverte facilmente lá na frente, infelizmente.

Não há uma receita de bolo exata. Mas existe uma estrutura de caminho. Comece familiarizando a criança com nossas cores e com nosso patrimônio (enquanto ainda temos…). Nossos símbolos são facilmente simpatizáveis, o saudoso Zeno José Otto caprichou no conceito da marca e não há uma criança (e até um adulto!) que não tenha sua atenção chamada por nosso estandarte e nossa camisa. Dê uma camiseta, um chaveirinho, um boneco. Se não tiver oficial disponível, vai pirata mesmo.

Converse aos poucos sobre futebol com seu filho ou sua filha. Fale que você torce para o Paraná, que mesmo quando o time não ganha você se sente muito feliz quando vai aos jogos e que você gosta muito quando seus filhos acompanham. E, por fim, comece a levar a alguns jogos, ambiente a criança ao clima de jogo do time. Fale que time a gente escolhe pro resto da vida e que, por mais que às vezes seja difícil torcer, nossa identificação sempre estará ali em campo de algum modo.

Enfim: os motivos

Puxando aquele parênteses do terceiro parágrafo, você me pergunta: “tá, mas você não falou que os filhos tem que ser criados livres para serem felizes com suas escolhas?”. Falei. Mas na minha opinião isso não vale se você for paranista. Se o seu time for o Paraná Clube, é importantíssimo que você passe sua torcida para a geração seguinte. Sabe por quê? Porque ser paranista é mais do que gostar de futebol, é uma lição de vida. Explico.

Perceba como em inúmeras situações o futebol imita a vida. Se você desperdiça as oportunidades que aparecem, assim como em um jogo de futebol, o preço desses vacilos pode ser cobrado. Se você gere mal as coisas que tem, assim como em um clube de futebol, você terá problemas com sua perdulariedade. E na vida, assim como nos resultados de jogos e campeonatos, em alguns momentos tudo dá certo para você. Em outros, parece que muitas coisas dão errado. E, mesmo que tudo pareça dar errado toda hora, um dia a maré vira. E só colhe os frutos dessa maré nova quem acredita na vinda dela.

Não se preocupe em fazer seu filho torcer para um time que parece estar realmente mal. O futebol, assim como a vida, é cíclico. Mas somos um clube pressionado pelo desdém, pelo descrédito e pelo pensamento de uns idiotas que acham que, em existindo, atrapalhamos o crescimento do futebol dessa quinta comarca. Fica até uma certa questão de sobrevivência. Você só vai ter chances de passar bons momentos no estádio com seu filhou ou sua filha se continuar havendo torcida para ser a razão de o clube existir.

Esse sufocamento só vai ser combatido se passarmos o paranismo adiante. Por isso é mais do que uma mera escolha de se “vai torcer para o time do pai ou da mãe?”. Renascer nas gerações seguintes é recriar nossa torcida, firmar uma identidade que já é própria e peculiar de resistência e esperança. Seja você o pai ou a mãe na história, pense nesse viés de personalidade para seu filho.

É uma questão de honra e, digo mais, de caráter. Um filho que escolhe torcer pelo Paraná Clube, é um filho naturalmente receptivo à ideia de superar adversidades e tornar-se um vencedor surpreendente. É quando começa a crescer uma pessoa de fibra, de respeito e de atitude.

Aliás, tá aí. Atitude. É a cara de cada um que bate no peito e diz que é paranista. Que torce para o Tricolor da Vila. Enquanto houver gente que se importe com nosso clube, suas cores seguirão pulsando firmes, bem como sua existência.

Que me perdoem as exceções. Mas se seu filho não é paranista ou, não – no mínimo –  respeita as cores do Paraná Clube, você é negligente. Ou com seu filho, ou com o clube para o qual você diz torcer.

Falando nisso, aproveito o ensejo para agradecer mais uma vez aos meus pais por terem me feito paranista.

Vejo você na Vila!



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